Blogue de Literatura & Mitologia

8 de fevereiro de 2012

O DEUSES PRIMORDIAIS NA MITOLOGIA GREGA

Caos, o princípio de tudo


No princípio era o Caos e sua força infinita, que consumia o Nada em sua própria indefinição. No choque das forças contínuas, espetaculares e inimagináveis, Aion produzia na eternidade o colosso que nem deuses nem mortais jamais testemunharam nos primórdios, e o vazio estava mergulhado em uma profunda desordem. O tempo, ainda, não existia; os seres etéreos também não existiam e tampouco os homens. O Caos reinava absoluto no vácuo e sua natureza rudimentar denunciava o princípio da existência imersa em todos os seres que dele adviriam. Por ser uma divindade solitária dos tempos imemoriais, o Caos, em sua dinâmica avassaladora e terrífica, gerou o primeiro dos seres: Nix, a Noite.


Nix, a Noite


Nix, junto com o Caos, torna-se, a despeito da Cosmogonia, a mais antiga das divindades. Deusa poderosa das trevas e portadora das forças misteriosas da espessa escuridão, de onde tudo se originara, Nix é considerada, para muitos poetas gregos, a mãe de todos os deuses, por acreditarem que a sua presença antecedeu a passagem da desorganização, no nada absoluto - o Caos -, para a formação gigantesca do Cosmo. Filha do próprio Caos, Nix tinha o poder de gerar outras divindades sem a necessidade de acasalamento. Assim, sozinha, nasceram dela o Sono, os Sonhos, o Momo, a Miséria e a Morte. Fora Nix que gerara, também, o implacável Destino, simbolizado pela Moira a que todos os seres estão submetidos.


Érebo, o deus das Trevas


Irmão gêmeo de Nix, Érebo fora concebido junto com sua irmã, que, também, representava as trevas. Desse modo, cumpre salientar que ambas as divindades descenderam do Caos e habitaram espaços singulares com a escuridão dos tempos primevos, antes da criação do mundo.  Com o aparecimento das divindades que representariam a Luz, Nix passou, então, a personificar a escuridão que está acima da Terra - Gaia -, e Érebo, por sua vez, encarnou as trevas profundas e eternas presentes no mundo inferior - o Hades. A escuridão, personificada em Nix, é, para os mortais, a Noite, que plasma a abóbada celeste, cobrindo a Terra como era nos tempos caóticos e dos seres sem essência; e a escuridão de Érebo é a manifestação mais dantesca do Caos, onde a luminosidade nunca penetrara e, conseqüentemente, jamais existirá em tão horrendo lugar, que é a morada dos mortos.


Éter, o Ar 



Hemera, o Dia


Da união entre Nix, a escuridão da Noite, e Érebo, a escuridão do mundo inferior, nasceram as duas divindades que emergiram das densas trevas  para trazerem a luminosidade ao mundo, que, até então, não existia. A saber: Éter e Hemera. O primeiro trouxe a luz rarefeita, superior e límpida, que paira sobre a atmosfera terrestre, radiando um brilho único e que envolve as mais altas camadas no céu próximo ao espaço sideral; e a segunda é, indubitavelmente, a personificação do dia em todo seu esplendor, rivalizando, assim, com a Noite, o seu lugar sobre a própria terra. A luz que todos os seres vivos necessitam para serem guiados e não se perderem nos caminhos tortuosos que a vida revela, ao longo da existência efêmera que o destino lhes confere.


Eros, o deus da Vida


A criação do mundo não seria possível se uma das forças primordiais mais intensas e complexas não existisse, e que, pairando na Eternidade, ao lado do Caos, engendrou o fenômeno da procriação, e, também, do nascimento de todos os deuses, entidades, semi-deuses, seres viventes e mortais; nos céus, nas águas e na terra: Eros. Sua singularidade o torna único no cenário da Criação, pois é através dele que todas as formas visíveis e não - visíveis conheceram a Vida. Eros é o deus que une todos os seres para que da ausência completa da essência à plenitude de seu fenômeno avassalador, a força da Vida se manifeste em sua forma imbatível, conferindo àqueles o  círculo da existência e sua continuidade, quer seja no plano terrestre quer seja no plano celestial. 


As Moiras, as fiandeiras do Destino


As mais dantescas das divindades e, por conseguinte, as entidades primevas e invencíveis no plano cosmogônico são as Moiras, que, também, eram chamadas de As Parcas. Juntas, elas representam o Destino - a Moira - contra o qual nem deuses nem mortais podem enfrentar. As  Moiras eram três irmãs cegas, que teciam continuamente o fio da vida, definindo, assim, o trajeto da existência  e o destino de todos os seres humanos. Cloto fiava a linha da vida dos humanos na terra, Laquésis, por sua vez, era quem determinava o valor e o conteúdo daquela, e, finalmente, Átropo era a  responsável pelo corte abrupto do fio da existência humana, trazendo, desse modo, a implacável morte para todos os homens e mulheres. Tudo estava sob o domínio das Moiras: os céus, a terra, os mares e os infernos.


Gaia, a mãe - terra


Admirável em sua natureza ímpar, a deusa Gaia emergiu do vácuo infinito, após o surgimento do Caos, e é a deusa mãe de todos os seres viventes e entidades que têm o fôlego da vida e o sopro espiritual. Gaia é, assim, a mãe de todos os deuses, gigantes e titãs; e de tudo que é vivente na terra. Gaia gerou Urano, a personificação do Céu, sem a intervenção de qualquer divindade, e com ele se uniu para completar os elementos de toda criação. A relação incestuosa de Gaia com Urano, seu próprio irmão, foi a causa do nascimento dos monstros: os Titãs, os Ciclopes e os Hecatônquiros como também da discórdia entre o casal primevo, culminando na morte de Urano quando um de seus filhos, o deus Cronos, comete o primeiro parricídio.


Urano, o Céu


Augusto por excelência, Urano, por ser a encarnação magistral de todo firmamento, cobria a mãe terra: Gaia. Assim, Urano gerou com Gaia muitos filhos e filhas, e teve, também, muitas irmãs. Reza a lenda que Urano odiava toda sua prole, e que, para que seus descendentes não fossem mortos por sua ira inexplicável, Gaia protegia-os, guardando todos no interior da própria terra. O seu egoísmo exacerbado provocou a primeira rebelião em sua linhagem direta, ocasionando o primeiro confronto entre os céus e a terra.  A partir da conjunção Urano - Gaia, inicia-se a gênese de todos os deuses e deusas olimpianas e suas implicações mítico-fabulosas na Grécia antiga e no mundo ocidental.


Tártaro, o mundo inferior


Habitando as camadas mais profundas e horrendas da terra, para além dos limites do Hades, estava o portentoso deus Tártaro, que, segundo a mitologia, é considerado por muitos um dos irmãos do Caos, e por outros uma divindade que emergiu do próprio choque das forças cosmogônicas nos primórdios. Tártaro teve relações com Gaia, que, por sua vez, gerou as mais hediondas bestas, que existem na mitologia grega. O mais temido pelos deuses fora o monstro Tifão. Tártaro personificava o limbo da terra em oposição absoluta aos céus - Urano - e representava, também, os termos do mundo: lugar para onde iam todos os seres condenados pelos deuses, i.e., o mundo inferior em forma de prisão eterna.


Pontos, o mar primordial


Nascido de Gaia sem que houvesse a união com outra divindade primordial, Ponto é o deus pré-olímpico do mar. Incestuosamente, Ponto e Gaia acasalaram-se, e esta concebeu Nereu, a entidade poderosa dos mares ou o legendário Velho do Mar, Talmas, que personificava os perigos e mistérios dos mares assim como outros filhos e filhas, que completam o rol das divindades marinhas. Ponto significa Alto Mar ou mar perigoso, sendo a primeira divindade que emergiu das águas - o mar primitivo - e irmão mais velho de Urano. Pontos engendra o líquido primordial da vida e detém as águas da morte, banhando, com seus rios nefastos, o próprio Tártaro.


Gaia e a concepção dos Óreas


Personificação dos montes e das montanhas na Antiguidade, os Óreas foram concebidos sozinhos por Gaia. São irmãos de Urano e de Ponto. Rústicos, cada monte e cada montanha tinha um deus que os representava na terra. Dos vários Óreas primordiais, alguns são notáveis na legenda mítica. A saber: Etna, que abriga o terrível vulcão homônimo, Citeron, que suportou a maldita Esfinge, em Tebas, na trágica estória de Édipo, Parnaso, berço dos poetas e morada das Musas, e o Olimpo, a morada suprema dos deuses.

3 de setembro de 2011

EM CENA VIRTUAL: ÁLVARES DE AZEVEDO


A CELEBRAÇÃO

Em 12 de setembro de 2011 serão comemorados os 180 anos de nascimento do expoente máximo do Ultra-romantismo nas letras nacionais: Álvares de Azevedo.

A TRAJETÓRIA CÍVICA

Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em 12 de setembro de 1831, em São Paulo, e morreu em 25 de abril de 1852, no Rio de Janeiro. O poeta romântico estudou Humanidades no Colégio Pedro II e integrou o corpo discente do curso de direito na Faculdade de Direito, em São Paulo.

Álvares de Azevedo, ao longo do curso de direito, destacou-se entre os demais por sua disciplina e competência. A grande parte de sua obra literária fora produzida no decurso da vida acadêmica. Entretanto, o desenlace prematuro do poeta, provocado pela tuberculose e agravado por um tumor, após uma queda de cavalo, retirou da cena literária nacional um jovem e promissor artista no frescor dos 20 anos de idade, que teve sua mocidade interrompida.

O poeta foi um exímio tradutor, e, por isso, traduzira a Parisina, de Lord Byron, o escritor inglês, que se tornou o ícone maior de uma geração considerada maldita - o mal du siècle - na qual a Morte se consolidara como ideal máximo da geração ultra-romântica, e que influenciaria, de forma contundente, a poesia de Álvares de Azevedo. 

O PERCURSO LITERÁRIO

Representante agusto do mal do século, na literatura brasileira, ao lado de outros poetas, Álvares de Azevedo e sua produção literária estão arrolados na fase denominada Ultra-romantismo, cujo período historiográfico se inicia, por volta, do ano de 1845, e se estende até o ano de 1865, segundo a crítica literária canônica.

Uma das características mais notáveis no Romantismo foi, indubitavelmente, o individualismo exacerbado; e Álvares de Azevedo consagrou-se, exemplarmente, como um autêntico romântico individualista, pois sua poesia, marcada por um refinamento temático sui generis, constituíra-se, sobremaneira, num discurso que reverberava uma subjetividade lírica, levada ao extremo. O poeta, desse modo, rompeu, à época, com uma tradição europeizada, predominante na poesia brasileira, por um lado; e desafiou seus pares eminentes no Brasil, que, sob o pretexto do individualismo, acirraram os ideais efervescentes por uma independência cultural, ideológica e política, por outro lado.

O tema da natureza, ao contrário de outros poetas românticos, não exerceu influência na elaboração e na construção poética do romantismo alavariano, pois o poeta experienciou um descompasso febril entre a paisagem, que servira de refúgio, e que, por conseguinte, fora o escape para o exílio de tantos, que preconizavam um projeto político emergente para o Brasil, e suas inquietações byronianas, com tons excêntricos, vorazes e fatalistas, talvez movidas pelo forte apelo a um egocentrismo desmedido aliado a uma juventude em processo de maturação.

Melancólico por excelência e timbrado com o estigma do mal du siècle, o Amor, para Álvares de Azevedo, era uma das abstrações emanadas de um sofrimento e de uma sensibilidade ímpar. O poeta, em sua breve trajetória cívica, não vivera paixões ardentes ou inebriantes; todavia a possibilidade da existência de um sentimento malogrado constituiu-se, para Álvares de Azevedo, no mote avassalador para o soerguimento de um ideal que jamais seria alcançado. Assim, Amor, Morte e Poesia se confundem com a identidade do poeta, que deixara, para a posteridade, uma obra de pouca extensão, mas com significados densos.